Análise, resultados e bônus – A leitura técnica e tática do UFC 208: Holm vs. De Randamie

Kauê Macedo analisa os destaques do UFC 208
Foto: Reprodução/MMAFighting.com

Pela primeira vez em sua história, o UFC foi até Nova Iorque e realizou um evento no Barclays Center, mesmo palco em que Bernard Hopkins se tornou o mais velho boxeador a vencer um título mundial. O evento foi bom para os fãs hardcores, mas o fã médio deve ter sofrido um pouco, a menos que esse tenha Anderson Silva como um ídolo.

 



Germaine de Randamie x Holly Holm

Foto: Reprodução/MMAFighting.com

Esse é o tipo de luta que me faz ser grato por ser um fã fanático de MMA, porque a probabilidade de eu reconhecer a grandiosidade e a representativa de uma disputa de cinturão feminino no UFC entre uma lutadora dez vezes campeã mundial de mauy thai e uma lutadora dezoito vezes campeã mundial de boxe seria relativamente pequena.

Baseado no nível técnico, a trocação no MMA feminino é dominada por quatro lutadoras, Joanna Jedrzejczyk, Valentina Shevchenko, Germaine de Randamie e Holly Holm. Ano passado, tivemos o privilégio de ver duas delas competindo entre si, quando Valentina Shevchenko fez a melhor luta de sua carreira no MMA ao vencer Holly Holm por decisão unânime; e no último sábado essa façanha se repetiu, graças ao improvável casamento do UFC entre Germaine de Randamie e Holly Holm pelo cinturão inaugural do peso pena feminino.

Holly Holm começou com leve vantagem na primeira metade do primeiro round, controlando a luta da média para a longa distância, fazendo seu lindo trabalho de pernas e aplicando combinações em alto volume, apesar de pouca precisão (o que é comum e totalmente aceitável para seu estilo de luta). Porém, isso só aconteceu porque Germaine de Randamie começou num ritmo mais lento, estudando a adversária e esperando a hora de começar a agir.

Quando a hora chegou, tudo mudou. Randamie era muito mais contundente e levou vantagem na trocação durante os três primeiros rounds da luta, o que praticamente lhe garantia a vitória por decisão quase sobrevivesse aos últimos dois rounds. Algo que já era esperado por parte da holandesa e que foi aplicado com perfeição repetidas vezes foi que, quando Holly Holm saia da longa distância e entrava no raio de ação para golpear, Germaine cravava a base a no chão e, com precisão e potência, aplicava contragolpes muito eficientes, que foram uma de suas principais armas durante todo o combate.

Greg Jackson, gênio que é, sabia do buraco no sistema defensivo de Randamie e mandou Holm trabalhar em cima disso, o que rendeu um total de nove tentativas de quedas (de uma multi campeã mundial de boxe!) e controle (não tão efetivo) de mais de oito minutos. Acontece que nenhuma das nove quedas foi aplicada com sucesso e o controle no clinch de pouco serviu, já que Randamie tem uma vasta experiente no muay thai e trás da modalidade um clinch devastador, e durante todos os praticamente nove minutos de clinch da luta, ela trabalhou joelhadas no corpo e foi muito mais efetiva que a americana.

No quarto e quinto round, Holly Holm cresceu e conseguiu vencer dois quintos da luta, colocando mais pressão na trocação, acertando mais combinações e trabalhando com mais efetividade ao colocar a adversária de costas para a grade. Porém, de pouco para alterar o resultado final do combate.

Vi muita gente marcando a vitória de Holly Holm por 48-47 na luta, dando, além do quarto e quinto round, o terceiro para a noite-americana. Isso provavelmente aconteceu pelo número parelho no volume de golpes das duas lutadoras e porque Holly Holm terminou o round com um lead leg Brazilian kick divino e espetacular, que aparentemente atordoou a holandesa. Mas vale lembrar que Randamie defendeu todas as quedas de americana e foi muito mais contundente com os contragolpes durante todo o round, que pesaram muito mais que o chute nos segundos finais do round.

Com os três primeiros rounds para Germanie de Randamie e os dois últimos para Holly Holm, minha pontuação ficou 48-47 para a holandesa e primeira campeã peso pena da história do UFC. Há quem diga que Randamie deu uma desculpa para não enfrentar Cris Cyborg tão cedo, mas duvido muito que seja realmente isso. No pior dos casos, temos Cyborg x Megan Anderson nesse intervalo de tempo para decidir que será a primeira desafiante.

 

Anderson Silva x Derek Brunson

Foto: Reprodução/MMAFighting.com

Anderson Silva, o maior peso médio da história do esporte, vem decaindo mais e mais a cada luta que se passa, e essa não foi diferente, mas pelo menos esse final foi feliz para o brasileiro, apesar do resultado controverso.

Derek Brunson fez a lição, mas não da forma como deveria. Greg Jackson, possivelmente o melhor técnico de MMA de todos os tempos, insistiu nos intervalos entre os rounds para que o norte-americano colocasse aumentasse o ritmo e colocasse para baixo, mas Brunson não deu muita atenção ao mestre.

Como sempre, Anderson Silva não tomou a iniciativa, já que seu ponto forte na trocação é trabalhar os contragolpes e capitalizar em cima dos erros dos adversários, foi utilizando esse jogo que se tornou a lenda que é.

Derek, que sempre jogou colocando muita pressão em pé, foi muito mais receoso do que o comum, provavelmente por ter um assassino nato do outro lado do octógono. Principalmente na primeira metade do primeiro round, Brunson esperou muito e tomou cuidado para não cometer erros, o que, no fim das contas, acabou dando certo (menos na visão dos juízes), já que ele acertou muito mais golpes que o brasileiro (43 de 60 x 9 de 21), levando o dobro de vantagem até mesmo no número de golpes significativos (20 de 36 x 8 de 20).

Algo que Anderson não perdeu desde os tempos de campeão foi o costume de estudar o adversário no começo do round, prática muito comum no boxe, esporte no qual as lutas podem chegar até doze rounds, mas muito perigosa no MMA, que tem lutas de três ou cinco rounds. Os adversários de Anderson Silva sabem do perigo que é se expor mesmo no começo da luta contra o ex-campeão, Chris Leben, Nate Marquardt e Forrest Griffin pagaram alto por esse erros; talvez por isso Brunson demorou para pegar no tranco durante o primeiro round, mas ele compensou isso com um erro do próprio Anderson, que insistiu na pegada do double collar tie para trabalhar o thai clinch, mesmo sem espaço para trabalhar as joelhadas que traumatizaram Rich Franklin em 2006, o que acabou resultando numa saraivada de uppercuts com toda a potência do potente Derek Brunson.

Assim como Alexander Gustafsson insistiu no erro ao clinchar Daniel Cormier e não sair da posição ao receber várias sequências brutais de uppercuts em 2015, Anderson Silva errou mais de uma vez ao insistir em tentar encontrar uma boa joelhada na posição de clinch, sem contar que com a idade avançada e o queixo já deteriorado, receber esse tipo de golpes num volume tão alto de um dos batedores mais contundentes da divisão não é nada saudável, Muhammad Ali que o diga.

Apesar de ter sido quedado duas vezes e ter sido controlado por quase quatro minutos no chão, Anderson impressionou a todos com seus sprawls e defesas de quedas, não só nos números, onde fechou com 80%, mas também no nível técnico, que não foi visto contra Dan Henderson em 2008, Chael Sonnen em 2010 e 2012, e Daniel Cormier, no meio do ano passado.

Os juízes laterais foram unanimes na escolha do vencedor, mas divergiram na distribuição de pontos. Douglas Crosby viu vantagem de Brunson no primeiro round e de Anderson no segundo e terceiro; Derek Cleary viu vantagem de Brunson no segundo round e de Anderson no primeiro e terceiro; e Eric Colon, o pior juiz do evento, marcou todos os rounds para o brasileiro.

O site MMA Decisions reúne a pontuação de vários especialistas de todo o planeta e disponibiliza para a consulta do público. Acontece que nenhuns dos vinte e três que pontuaram essa luta marcaram 30-27, como Eric Colon fez. Apenas quatro marcaram a vitória para o brasileiro (por 29-28), e dezenove marcaram a vitória para Derek Brunson, oito deles viram vitória do norte-americano em todos os rounds.

Eu vi vitória de Derek Brunson por 29-28, com margem para 30-27 para o norte-americano e sem margem para vitória do Anderson Silva. Fiquei feliz pela vitória do ex-campeão, mas triste pelo amadorismo da comissão atlética de Nova Iorque.

 

Ronaldo Jacaré x Tim Boestch

Foto: Reprodução/MMAFighting.com

Ronaldo Jacaré é um lutador monstruoso, um dos mais técnicos ao aplicar o jiu-jitsu no MMA, mas tem um azar absurdo de quase nunca conseguir lutas boas. Na verdade ele consegue com frequência, mas muitas vezes elas são canceladas. Em quase quatro anos no UFC, Jacaré só tem duas vitórias sobre lutadores do mais alto nível, que são Gegard Mousasi, ex-campeão do Strikeforce e do Dream, e Vitor Belfort, ex-campeão meio-pesado do UFC. Fora esses dois, nomes como Yushin Okami, Francis Carmont e agora Tim Boestch estão entre os maiores nomes, o que não é muita coisa para quem quer disputar o cinturão. Além disso, ele teve o azar de ser prejudicado pelos juízes laterais contra Yoel Romero, talvez a mais importante luta de sua carreira.

A luta foi muito simples, Jacaré jogou fechadinho na trocação, sem dar brechas para o poder de nocaute absurdo de Tim Boestch dar as caras. Foi trabalhando com calma, frio como gelo, e quando viu uma abertura entrou em queda e colocou o norte-americano para baixo. Daqui em diante foi só alegria para o brasileiro, que já começou indo para a posição de cem quilos e depois passou para a montada, onde trabalhou o ground and pound até ver uma brecha para pegar o braço do norte-americano e aplicar uma finalização perfeita, de dar orgulho a Hélio Gracie e Masahiko Kimura.

Jacaré não contrariou os prognósticos dos especialistas nem as bolsas de apostas, conseguindo a vitória da forma como muitos apostaram, por finalização no primeiro round. Yoel Romero acabou de conseguir a maior vitória da carreira ao nocautear o ex-campeão Chris Weidman e é o próximo na fila pela disputa ao cinturão dos médios do UFC, que por algum motivo bizarro é atualmente de Michael Bisping, então só o tempo dirá qual o próximo passo para Ronaldo Jacaré.

 

Confira todos os resultados e bônus oficiais do UFC 208:

Germaine De Randamie venceu Holly Holm por decisão unânime (48-47, 48-48 e 48-47)

Anderson Silva venceu Derek Brunson por decisão unânime (29-28, 29-28 e 30-27)

Ronaldo Jacaré venceu Tim Boestch por finalização aos 3m41s do R1

Glover Teixeira venceu Jared Cannonier por decisão unânime (30-26, 30-26 e 30-26)

Dustin Poirier venceu Jim Miller por decisão majoritária (28-28, 30-27 e 29-28)

Belal Muhammad venceu Randy Brown por decisão unânime (30-27, 30-27 e 29-28)

Wilson Reis venceu Yuta Sasaki por decisão (29-28, 29-28 e 29-28)

Islam Makhachev venceu Nik Lentz por decisão unânime (30-25, 30-25 e 30-27)

Rick Glenn venceu Phillipe Nover por decisão dividida (27-30, 29-28 e 29-28)

Ryan LaFlare venceu Roan Jucão por decisão unânime (30-26, 30-27 e 29-28)

Performance da noite: Ronaldo Jacaré

Luta da noite: Dustin Poirier x Jim Miller

 

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Jornalista freelancer. Matérias publicadas em Nocaute na Rede, Correio Paulista, Medium, Shion Magazine, NetFighter e Pitaco Esportivo. contato: [email protected]
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