Análise Técnica e Tática de Germaine de Randamie vs. Aspen Ladd

Kauê Macedo analisa Germaine de Randamie vs. Aspen Ladd

Um duelo importantíssimo no peso galo feminino lidera o próximo card do UFC, que acontece nesse sábado, em Sacramento, na Califórnia. A ex-campeã peso pena do UFC e uma das melhores strikers do MMA feminino, Germaine de Randamie enfrenta a maior promessa da categoria, a invicta Aspen Ladd. A vencedora deve ser a próxima desafiante ao cinturão até 61kg de Amanda Nunes.



Luta muito difícil de prever, mas uma análise técnica dos pontos forte e fracos das lutadoras e uma análise tática das possíveis estratégias podem clarear esse caminho. Vamos dissecar a luta e tentar prever o resultado.

Aspen Ladd

Aspen Ladd é a maior promessa do peso galo em todo o MMA feminino. Contando lutas profissionais e amadoras, ela soma 16 vitórias e apenas 1 derrota, sendo 12 vitórias por nocaute ou finalização. No profissional, ela está invicta com 8 vitórias e nenhuma derrota e está em uma ótima sequência de 3 vitórias consecutivas no UFC sobre adversárias relevantes como Lina Länsberg e a ex-campeã do Invicta FC, Tonya Evinger. Aos 24 anos de idade, ela já é a 4ª colocada no ranking peso galo do UFC.

Aspen Ladd tem um estilo bem ortodoxo e relativamente previsível na trocação, sem muita técnica, mas o suficiente para sobreviver e/ou lidar com a maior parte da divisão, com exceção da elite que é perigosíssima com as mãos e deve lhe oferecer muito perigo, como Amanda Nunes, Holly Holm e sua próxima adversária, Germaine de Randamie.

Sua movimentação é constantemente ofensiva e praticamente em linha reta, tendo seu trabalho de pernas efetuado linearmente e focando no controle do centro do octógono, sendo esses alguns dos pontos que a categorizam como uma pressure fighter. Ela luta da média distância, fazendo variações para a curta, principalmente quando vai tentar combinar golpes em curva, como cruzados e uppercuts.

Sua trocação é focada majoritariamente no boxe, ofensiva e defensivamente. Quando está controlando as ações e ditando o ritmo da trocação, ela trabalha principalmente os golpes longos e retos, aplicando jabs e diretos, mas sem investir muito com o corpo em direção à adversária, o que reduz consideravelmente seu poder de nocaute.

Quando suas adversárias estão ditando o ritmo da luta e avançando sobre ela, um dos golpes que mais aplica é o cruzado de esquerda como contragolpe, técnica usada constantemente por Luke Rockhold e efetivamente por Mark Hunt. Assim como os jabs e diretos, ela aplica pouco peso do corpo nos golpes, o que reduz muito sua contundência.

Os golpes que realmente carregam seu punching power são os cruzados e uppercuts aplicados quando está na curta distância, principalmente após fazer o ringcraft e encurtar o espaço para aplicá-los devidamente.

Seu sistema defensivo na trocação é defasado, apesar de ter pontos que estão sempre ao seu favor. Ladd luta com a guarda bem alta, protegendo seu queixo dos golpes mais contundentes, mas ainda assim engole mais golpes do que deveria, tendo como principal causa a falta de movimentação lateral e o limitado head movement. Sua guarda mais alta do que o habitual tem explicação, ela simplesmente não tem medo de ser quedada, já que é uma das melhores grapplers da categoria e tem confiança de que consegue reverter as posições caso seja levada ao solo, como fez com Sijara Eubanks na segunda luta.

As estatísticas comprovam essa defasagem defensiva na trocação, Ladd absorve uma média de 4,89 golpes por minuto, um número muito alto, e tem uma defesa bem defasa da apenas 47%. Os números são ruins, mas preocupam ainda mais porque não são contra strikers de alto nível.

O foco de sua trocação é apenas um, encurtar a distância e entrar em queda. Ela faz isso de forma menos linear que muitas grapplers que migram para o MMA, e tenta fazer combinações e controlar o ritmo da luta, além de controlar bem os espaços e conseguir aproximar as adversárias da grade, o que facilita muito a aplicação de seu wrestling.

Apesar das limitações na trocação, Ladd tem um grappling bem afiado e conseguiu chegar ao topo da divisão com seu alto nível técnico, cravando seu nome na quarta colocação do ranking após três vitórias consecutivas.

Seu wrestling é do mais alto nível na categoria e tem muitas variações técnicas, sendo muito bem aplicado tanto no clinch quanto em entradas de quedas partindo da trocação.

No clinch, ela tem um ótimo controle posicional e consegue sempre encontrar espaços para se sobressair. Sua força física impressiona, pois também colabora para a eficácia dessa soberania. Na grade, Ladd faz um bom controle da luta, utilizando, principalmente, o body lock, variando entre pegadas com os dois underhooks e pegadas com o braço por cima do pescoço da adversária. Esse controle no clinch foi muito eficaz nas lutas contra Sijara Eubanks e Tonya Evinger e essenciais para a sua vitória.

Partindo da distância, Ladd tem boa técnica para entrar em queda e um timing impressionante. Ela observa bem as aberturas e entra em queda, principalmente com o double leg, após algum erro da adversária, como na luta contra Lina Lansberg. Ladd encontrou a oportunidade após Lansberg executar um golpe mal calculado e mudou o nível da luta em um instante com uma excelente técnica, deixando a adversária praticamente sem chances de defender.

Na luta de solo, Aspen Ladd tem a disposição um jiu-jitsu de alto nível. Com muita pressão e agressividade, ela busca constantemente as passagens de guarda a fim de conseguir uma posição avançada o suficiente para que facilite o controle da luta. Ela trabalha muito bem da meia guarda, onde controla com eficácia a adversária, mas é extremamente perigosa na montada e nas costas.

Seu controle posicional superior na luta de chão é um de seus pontos mais fortes. Após conseguir as passagens de guarda e uma posição segura, ela consegue manter a adversária em uma posição com boa vantagem por muito tempo e encontra excelentes posições para trabalhar o ground n’ pound, que é aplicado com boa velocidade e uma agressividade surpreendente.

Germaine de Randamie

Primeira campeã peso pena da história do UFC, Germaine de Randamie é uma veterana na organização, onde luta há 6 anos (desde a criação das categorias femininas) e vem de uma ótima sequência de quatro vitórias consecutivas, incluindo a ex-campeã peso galo Holly Holm e a ex-desafiante Raquel Pennington. Com diversos títulos no kickboxing e um cartel perfeito de 37 vitórias e nenhuma derrota na modalidade, Germaine é uma das melhores strikers de todo o MMA feminino. Atualmente, é a primeira colocada no ranking peso galo do UFC, atrás apenas da campeã Amanda Nunes.

Germaine de Randamie trabalha da média distância, fazendo um trabalho de pernas bem fluido, variando movimentação linear e lateral, mas focando em espelhar a movimentação da adversária a fim de conseguir o controle do centro do octógono e limitar o espaço de evasão da adversária. Dessa forma, ela cria um ambiente muito mais propício a trocação, área em que ela leva vantagem contra praticamente todas as lutadoras do mundo, e que lhe favorece muito, pois tem o controle do centro e, consequentemente, acaba criando muito mais aberturas para golpear.

Por ser uma lutadora muito grande para a categoria, Germaine faz a manutenção de distância de uma forma que ela pode lutar da média e fazer com que a adversária sinta que ela está na longa distância. Essa diferença pode se tornar uma arma de controle excepcional na mão de uma striker do calibre de Randamie.

Germaine trabalha muito bem os golpes longos e retos quando está na média distância, conseguindo conectar com contundência sem precisar encurtar ou se expor. Seus jabs servem, principalmente, para auxiliar na manutenção de distância e no controle do centro do octógono, mas seu direto é muito poderoso e, quando conectado com precisão, é muito significativo tanto para a pontuação quanto para machucar a adversária.

Saindo da média para a curta distância, Germaine tem bons golpes como uppercuts e overhands, mas seus cruzados sãos os mais eficazes de todo o seu arsenal ofensivo. Ela tem uma contundência muito acima da média e aplica os cruzados com muita técnica, variando corpo e cabeça, com força e velocidade ao mesmo tempo. Juntando esses cruzados aos golpes longos e retos, temos aqui um dos melhores arsenais ofensivos de socos da história do MMA feminino.

Oriunda do kickboxing, de Randamie também tem bons chutes, que compõe o restante de seu arsenal ofensivo. Os chutes mais utilizados são os low kicks e os chutes frontais no corpo, que servem para limitar a movimentação da adversária e para manter a distância, respectivamente. Ambos são aplicados com velocidade e boa técnica, mas com menos força. A contundência está mais presente nos chutes altos e chutes laterais ou circulares no corpo, que são menos frequentes, mas não improváveis.

Germaine acaba deixando muitas brechas para que tenha a distância encurtada e ser clinchada, área onde tem um nível técnico bem limitado, lidando bem apenas com o thai clinch, que apesar de ser bem perigoso ofensivamente, abre brechas enormes defensivamente.

A luta agarrada é o grande ponto fraco de Germaine de Randamie. Apesar do alto percentual de defesa de quedas de 80%, a ex-campeã é muito vulnerável ao jogo de clinch, principalmente na grade. Raquel Pennington foi capaz de controlá-la durante um tempo considerável em mais de uma oportunidade na luta.

Boa parte de sua luta agarrada foi exposta quando enfrentou Amanda Nunes. Seu nível técnico no grappling é abaixo de média e dá brecha para muitas lutadoras capitalizarem em cima disso, mas seus casamentos coincidirão, em sua maioria, com strikers, o que limitou essa possibilidade.

Amanda Nunes quedou sem muitas dificuldades em sua primeira tentativa de queda (isso muito antes de ela se tornar a excelente lutadora que é hoje), mesmo sem ser uma wrestler de alto nível. De Randamie não teve resposta para a queda e muito menos para a luta de chão, onde foi facilmente montada e engolida por um ground n’ pound feroz.

Análise Tática

Germaine de Randamie é muito maior que Aspen Ladd (1,75m x 1,68m em altura e 1,80m x 1,68m em envergadura) e tem uma vantagem física considerável. A holandesa é naturalmente uma peso pena, mas corta muito peso para se manter no peso galo. Recentemente, mais do que nunca, ficou claro que o menor peso que um lutador consegue bater não é necessariamente a categoria em que ele luta melhor, como os exemplos de Thiago Marreta e Anthony Smith, além de outrosum pouco mais antigos como Anthony Johnson.

Apesar de maior, Germaine acaba perdendo explosão e força física, justamente dois dos pontos mais fortes de Aspen Ladd, que luta em sua categoria ideal. É importante frisar que cada uma tem muita vantagem em força física em suas respectivas especialidades. Na trocação Germaine é muito mais forte e contundente, enquanto na luta agarrada, Ladd tem toda a vantagem.

Germaine de Randamie terá que adotar uma estratégia que não está muito acostumada a fazer, que é fazer muito trabalho de pernas e utilizar a movimentação lateral constante durante os cinco rounds. Isso servirá para a sua missão mais importante na noite, evitar a luta agarrada.

Fazendo a manutenção de distância, trabalhando da média pra longa, e se movimentando bastante, Germaine pode ter o controle total da luta na trocação e conseguirá se sobressair com sua técnica muito mais apurada e sua contundência consideravelmente superior.

Aspen Ladd tem que evitar esse jogo, colocando mais pressão do que está acostumada e tendo que fazer o melhor ringcraft de sua vida, controlando o centro do octógono e encurralando a adversária o mais perto possível da grade, para então poder investir em uma queda ou no clinch.

Chegando no clinch, a superioridade técnica de Ladd deve ser o suficiente para levar, eventualmente, Germaine para o chão, onde ela terá muita vantagem e poderá controlar o combate e trabalhar seu ground n’ pound.

Essas seriam as estratégias ideias para cada uma das lutadoras, mas apenas uma conseguirá impor seu jogo com eficácia a ponto de vencer a luta, e não acredito que nenhuma será com dominância completa, como a estratégia geral pode sugerir.

Como a luta começa em pé e na longa distância, Germaine já começa o combate em vantagem. É provável que ela consiga controlar as ações por um tempo e conecte bons golpes, principalmente no início de cada round, e sobretudo no início do primeiro. Esse controle terá que ser feito com movimentação e apenas boxe, não vale a pena chutar e correr o risco de ser quedada. O problema é que essa movimentação lateral constante foge um pouco do estilo da holandesa, que está habituada a ser um pouco mais estática.

Será o grande teste de Aspen Ladd. Ela terá que aguentar e absorver os golpes de uma das mais técnicas e contundentes strikers da história do esporte. Com seu sistema defensivo na trocação sendo bem defasado, é provável que ela receba golpes duros durante a luta. A grande questão é se ela conseguirá escapar dos mais perigosos e fazer a luta de sua maneira.

Conhecendo Germaine de Rnadamie, acredito que é provável que ela abra brechas em sua movimentação e controle de distância para Aspen Ladd encurtar a distância e clinchar. Ladd é bem oportunista, então não deve deixar muitas dessas oportunidades passar, e sendo tão superior tecnicamente, ela pode garantir o round ao conseguir o body lock, pois daí para frente ela tem toda a vantagem e capacidade de controlar a luta.

Germaine deve conectar bons golpes na trocação e dar bastante trabalho para Aspen Ladd, mas a maior promessa da categoria deve ser capaz de sobreviver a barragem de socos e conseguir encontrar as oportunidades para levar a luta para o solo. A holandesa deve também sobreviver durante um tempo, mesmo com a disparidade técnica, mas se abrir muitas brechas durante os rounds, eventualmente será engolida pelo patologicamente agressivo ground n’ pound da americana.

Luta difícil de prever, mas o casamento pesa para um dos lados.

A aposta é Aspen Ladd por nocaute no terceiro round.



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Jornalista freelancer. Matérias publicadas em Nocaute na Rede, Correio Paulista, Medium, Shion Magazine, NetFighter e Pitaco Esportivo. contato: [email protected]
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