Análise Técnica e Tática de Valentina Shevchenko vs. Liz Carmouche

Kauê Macedo analisa Valentina Shevchenko vs. Liz Carmouche
Foto: Reprodução

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Ex-ranqueada como número 1 no peso galo e atual campeã peso mosca do UFC, Valentina Shevchenko fará sua segunda defesa de cinturão contra a veterana Liz Carmouche, que fez a primeira luta feminina da história do UFC e disputará o título da organização pela segunda vez.

A luta lidera o card do UFC Fight Night 156, que acontece nesse sábado, 10 de agosto, às 18h (horário de Brasília), na Arena Antel, no bairro de Villa Española, Montevidéu, Uruguai. É o primeiro evento na história do UFC a ser realizado no Uruguai.



Valentina Shevchenko

Shevchenko luta na média distância, onde consegue acertar e ser acertada com pouco movimento ofensivo, mas que também tem espaço para escapar do alcance da adversária com uma passada curta para trás.

A manutenção de distância é um dos fatores fundamentais de seu jogo, foi essencial para vencer Holly Holm, uma das maiores boxeadoras da história, e foi o que mais deu trabalho para Amanda Nunes, a maior lutadora de todos os tempos, em ambas as lutas que fizeram.

Na média distância, é bem complicado fazer uma manutenção de distância extremamente eficaz. A maioria dos que controlam com perfeição, como Jon Jones, fazem da média para a longa distância. Shevchenko é um dos poucos exemplos que conseguem manter a luta na distância desejável estando a uma distância relativamente curta.

Esse controle é feito com pequenas passadas, para frente ou para trás, calculados com uma margem de espaço muito pequena, que se faz necessário devido a impossibilidade de ter velocidade o suficiente para sair do raio de ação da média distância com passadas largas antes de ser golpeado.

Parte desse jogo de distância e passadas curtas para trás é a imprevisibilidade que ela passa entre recuar e contragolpear. Sua experiência gigantesca em competições de trocação lhe rendeu um excelente timing em todas as instâncias da luta, e não é diferente com os contragolpes.

Essa variação confunde bem a adversária, que às vezes se sente confiante em avançar, tendo como único obstáculo o alcance, mas é surpreendido por boas combinações aplicadas com velocidade e precisão.

O arsenal ofensivo na trocação de Shevchenko está entre os mais vastos e eficientes de todo o MMA (masculino ou feminino) e tem uma variação enorme que envolvem socos, chutes, joelhadas e cotoveladas de toda a sorte, cruzados, retos e rodados.

A postura de Shevchenko é bem parecida com a tradicional do muay thai, com a postura mais ereta e a guarda bem alta, mas ela adapta bem isso ao MMA, ficando com o corpo um pouco mais lateral e abrindo mais a distância entre os braços, apesar de eles ainda continuarem mais altos do que o recomendado para o MMA.

Essa postura de guarda muito alto facilita o trabalho de wrestlers e dificulta a defesa, além de aumentar significativamente o tempo de abaixar a guarda e frear a ofensiva da adversária. Apesar disso, Shevchenko tem uma defesa de quedas sólida e só foi quedada nos últimos anos por Amanda Nunes e Julianna Peña, duas lutadoras enormes e muito fortes no grappling. A campeã ostenta um percentual de 75% de defesa de quedas.

As quedas de Valentina são de alto nível, mas, ao contrário da maioria dos atletas na história desse esporte, as quedas não são oriundas do wrestling, mas sim do judô e até mesmo do muay thai.

Shevchenko parte do clinch para quedar, usando principalmente o equilíbrio e o timing como suas principais armas ofensivas, com diversas variações do judô. Como o foco do treino defensivo de quedas, tanto a partir da distância quanto a partir do clinch, no MMA é o wrestling, muitos não têm respostas para essa variação técnica. Foi o caso de Jéssica Eye, Joanna Jedrzejczyk, Holly Holm, Amanda Nunes e outras.

Além disso, aplicar joelhadas no clinch contra Shevchenko é suicídio, isso já ficou claro há um bom tempo, mas parece que ainda não aprenderam. A campeã tem um timing impressionante para quedar nessa ocasião, puxando a perna de apoio da adversária no exato momento que ela levanta o joelho para atacar.

O controle posicional por cima na luta de chão tem melhorado bastante e se mostrou bem eficaz em sua última luta, contra Jéssica Eye. No primeiro round, Valentina conseguiu a queda no primeiro minuto de luta e manteve até praticamente até o final da luta, com uma levantada de Eye e uma queda quase instantânea da campeã.

Por baixo na luta de chão, ela é perigosíssima. Shevchenko tem uma guarda bem ativa, tanto para separar a luta e se levantar, como aconteceu contra Amanda Nunes, quanto para tentar finalizar, como aconteceu contra Julianna Peña. Contra Peña ficou claro a qualidade de seu jiu-jitsu e de suas finalizações ao aplicar uma excelente chave de braço, que lhe garantiu a vitória.

Quando todo esse jogo é aplicado em conjunto, vemos uma maestria técnica rara no esporte.

Shevchenko tem um arsenal ofensivo muito vasto, preciso e volumoso, e um sistema defensivo bem eficiente que consegue barrar boa parte das ofensivas de qualquer lutadora de MMA do planeta. Isso faz dela a lutadora de mais alto nível técnico na história no esporte, superando nomes como Amanda Nunes e Cris Cyborg.

Liz Carmouche

Liz Carmouche se movimenta bastante no octógono, tentando circular suas adversárias com duas intenções, fazer a manutenção de distância e encontrar espaços para entrar em queda.

A manutenção de distância é feita, majoritariamente, como um mecanismo muito defensivo, tendo pouco efeito em suas investidas ofensivas. Na verdade, pouco de sua manutenção funciona ofensivamente, ela ataca com menos consciência do que se defende na trocação.

Carmouche tenta manter a luta da média para a longa distância quando não está liderando as ações e o ritmo da luta, variando passadas laterais e passos longos para trás, ficando totalmente fora do raio de ação da adversária.

Esse jogo de distância funciona bem defensivamente, pois mantém a adversária completamente fora de alcance, o que também tem um lado negativo, afinal, dessa forma ela também não consegue atacar.

Sua movimentação serve para anular as ofensivas de lutadoras tecnicamente mais limitadas na trocação, pois impede que elas tenham o controle constante do centro do octógono e, consequentemente, viabiliza seu jogo de distância por não estar com as costas na grade.

Na trocação, Carmouche é ofensivamente bem apática. Seu jogo é predominantemente focado em conseguir uma brecha para encurtar a distância e ir direto para o clinch ou para a queda, evitando qualquer troca franca no infighting ou no dirty boxing.

Tudo o que Carmouche tem a oferecer são alguns poucos golpes longos e retos, os únicos viáveis a partir da distância que ela trabalha, e alguns contragolpes, que pode variar para cruzados dependendo do quanto sua adversária avança na distância.

Na luta agarrada a situação muda drasticamente.

Carmouche tenta levar a luta a todo custo ao chão e isso é feito de duas formas, através das quedas do wrestling partindo direto para as quedas ou através do clinch, seja ele na grade ou não.

Seu wrestling é bem efetivo e ela conseguiu quedar todas as suas adversárias no UFC com exceção de Ronda Rousey, a segunda maior peso galo da história. Nessa lista estão lutadoras com bom wrestling como a ex-campeã peso galo do UFC Miesha Tate, quedada cinco vezes por Carmouche, e a ex-campeã peso galo do Invicta FC Lauren Murphy, quedada duas vezes.

No clinch, seu nível é bom e ela tem um controle bem decente das ações, além de uma variação interessante de quedas, da qual Jennifer Maia e Katlyn Chookagian foram vítimas.

Apesar disso, seu foco está em levar a luta até a grade, onde ela tem um controle posicional impressionante, pressionando até conseguir concretizar a queda.

No chão, ela tem um excelente controle posicional e um estilo bem agressivo de avançar posições. O ground n’ pound não é tão intenso, mas ela está sempre tentando (e geralmente conseguindo) passar a guarda e conseguir uma posição melhor.

Seu controle não é tão duradouro a ponto de uma queda ser a garantia de vencer o round, isso se dá por causa de seu estilo agressivo, que pode proporcionar boas transições e posições avançadas, mas que também abre espaços para suas adversárias escaparem e fazer com que o jogo de trocação à distância e busca por quedas recomece.

Apesar do jogo de chão ter um bom nível técnico, Carmouche não é muito técnica em relação a finalizações e peca bastante na capacidade de encontrar (ou sequer tentar) oportunidades para finalizar. Em sua carreira, ela tem três vezes mais nocautes do que finalizações (seis contra dois), sendo a última há mais de 7 anos.

Análise Tática

Julianna Peña teve certa facilidade em encurtar a distância e clinchar Valentina Shevchenko, mas isso só foi possível devido ao seu jogo de distância, executado a partir da média, que diminuiu tempo, velocidade e timing necessários para que seja concluído.

Isso é algo que Carmouche não costuma fazer, ela sempre parte da longa e procura um espaço para quedar, espaço esse que Valentina não deve dar. Isso deve causar adaptações no jogo de Carmouche, que terá que lutar em uma distância menor para conseguir encurtar com menos dificuldades.

Isso implica em dois fatores, um vantajoso e outro prejudicial. A vantagem é ter mais chances de conseguir chegar na curta distância e agarrar com mais facilidade e em maior número de quantidades, pois a campeã deve defender boa parte das investidas. A prejudicial é que ela é ficará exposta à todo o arsenal ofensivo da melhor e mais técnica striker da história das categorias femininas.

O grappling muito heterodoxo de Shevchenko contribui para a efetividade de seu sistema defensivo, pois dificulta as tentativas de queda daquelas que só sabem lidar com os sistemas técnicos das vertentes tradicionais do wrestling, e esse é exatamente o caso de Liz Carmouche.

Todo o confuso e impreciso jogo de distância de Carmouche será essencial para ditar o ritmo da luta. Se ela insistir em querer trabalhar da longa distância, procurando espaços para quedar através de uma investida brusca, provavelmente será controlada por Shevchenko e não conseguirá encontrar espaço algum. Se preferir trabalhar da média distância, assim como fez Julianna Peña, terá muito mais chances de chegar ao clinch ou encontrar um espaço para alguns double-legs, mas ficará muito mais exposta ao arsenal ofensivo da campeã.

A tendência é que Carmouche consiga chegar ao clinch em algum momento e, dependendo da duração da luta, talvez até consiga levar a campeã ao solo, mas tudo indica que Shevchenko controle o ritmo da luta e as ações na trocação, mantendo a luta na média distância e conectando um número significativamente maior de golpes, aplicados com mais precisão e causando menos desgaste físico.

É comum o público em geral ficar esperando outra performance devastadora após o nocaute memorável de Shevchenko sobre Jéssica Eye, mas é importante analisar a situação com seriedade e levar em conta que seis das últimas nove lutas da atual campeã terminaram por decisão. Liz Carmouche é uma lutadora duradoura e experiente, que não dá muitas brechas comprometedoras e só foi finalizada (lembrando que ela nunca foi nocauteada na carreira) no UFC por Ronda Rousey, dona do grappling mais agressivo e a maior finalizadora da história do MMA feminino.

A tendência é que a luta se estenda por, pelo menos, metade da luta. A partir do meio do terceiro, a diferença técnica deve começar a pesar muito, podendo resultar em um nocaute por parte da campeã.

Prognóstico: Valentina Shevchenko



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Jornalista freelancer. Matérias publicadas em Nocaute na Rede, Correio Paulista, Medium, Shion Magazine, NetFighter e Pitaco Esportivo. contato: [email protected]
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