*obs: Texto originalmente publicado no site PitacoEsportivo.com (por Kaue Macedo)
O maior peso pesado da história do MMA e um dos meus maiores ídolos, Fedor Emelianenko vai pisar num cage novamente, e isso é motivo suficiente para sair mais uma boa análise aqui no site.
Ele enfrenta o brasileiro Fábio Maldonado, ex-top 15 do UFC, no respeitado Eurasia Fight Nights (que também é chamado de Fight Nights Global). A luta acontece na próxima sexta-feira, em São Petersburgo, no temível território da Rússia.
Retrospecto
Fedor Emelianenko (Foto: Reprodução)
Alguns anos atrás, o melhor peso pesado do planeta e o ser humano mais temido no mundo do MMA era Fedor Emelianenko.
Após vencer o torneio peso aberto do Rings em 2001, Fedor migrou para o Pride e se tornou o campeão dos pesos pesados após vencer Rodrigo Minotauro, o primeiro campeão da categoria na história do Pride, e se manteve como campeão até o final da organização. Ele defendeu o cinturão dos pesados do Pride em três diferentes oportunidades, contra Minotauro, na terceira luta entre ambos, Mirko Cro Cop, numa das melhores lutas da história, e Mark Hunt.
Além do cinturão, competiu no Grand Prix dos pesados de 2004, vencendo os ex-campeões do UFC Mark Coleman e Kevin Randleman, o multi campeão mundial de judô Naoya Ogawa, e lutou duas vezes com Minotauro, uma na final, que acabou em No Contest devido uma cabeçada involuntária, e venceu a segunda, que valeu como defesa de cinturão e que foi citada acima.
Sem valer cinturão ou estar competindo em algum torneio, Emelianenko, no Pride, venceu também lutadores como Semmy Schilt, Heath Herring, Kazuyuki Fujita, Gary Goodridge e Mark Coleman, e como todos bem sabem, não perdeu nenhuma. Foram 14 Vitórias e nenhuma derrota (com 1 Nc).
Fora do Pride, Fedor venceu o veterano Matt Lindland, em uma passagem do clássico BodogFight pela Rússia, além daquela luta bizonha com Hong-Man Choi, no Japão.
Em 2008, Fedor Emelianenko foi para o Affliction e continuou se firmando como melhor peso pesado do mundo, vencendo o título de forma espetacular contra o ex-campeão do UFC Tim Sylvia, num mata-leão com menos de 40 segundos de luta. A defesa de título veio contra Andrei Arlovski, também ex-campeão do UFC, que deu até certo trabalho na trocação, até ser brutalmente nocauteado pelo Último Imperador. Falando nisso, reza a lenda que o espírito do Último Imperador morreu aqui.
Os tempos sombrios vieram no Strikeforce, uma das maiores organizações do mundo na época. A principio, a situação até pareceu boa, com Fedor nocauteando e quase decapitando o americano Brett Rogers.
A primeira derrota legitima da carreira foi para Fabrício Werdum, o atual campeão do UFC e um dos melhores grapplers da história do MMA. Fedor começou bem encurtando e dando um knockdown nos segundos iniciais, mas logo caiu na guarda venenosa do brasileiro, que encaixou um triangulo com chave de braço e arrancou o primeiro e único tapa que o russo já deu na carreira.
Em seguida, Fedor enfrentou Antônio Bigfoot Silva, o Pezão, e numa luta com uma diferença absurda de tamanho e peso, Fedor foi dominando na pura “brutalidade” até o médico decidir parar a luta devido um inchaço no olho no russo.
A última derrota foi logo em seguida também, quando enfrentou o lendário Dan Henderson, e por muito pouco não venceu por nocaute, mas o poder absurdo de absorção de golpes do americano (que hoje não existe mais) salvou ele, que reverteu a posição e desferiu suas H-Bomb no russo, vencendo por nocaute técnico no final do terceiro round.
Após a fase turbulenta, o Strikeforce foi comprado pelo UFC, mas Fedor não assinou com a maior organização do mundo. Ele foi para o M-1 Globa, a mais renomada organização da Rússia, e enfrentou e venceu o veterano Jeff Monson. Voltando ao Japão após exatos 4 anos, o russo enfrentou o campeão olímpico de judô Satoshi Ishii, e brutalizou o japonês com um nocaute técnico no inicio do primeiro round. A última luta veio cerca de cerca de três anos atrás, quando ele enfrentou o lendário brasileiro Pedro Rizzo, no M-1 Global, que foi até o Japão produzir o espetáculo, a luta foi mais curta ainda e o russo acabou com o brasileiro com pouco mais de um minuto de luta.
No evento especial de ano novo do Rizin Fighting Federation, Fedor atropelou Jaideep Singh e venceu encerrou a luta no primeiro round.
Fábio Maldonado e Anderson Silva (Foto: Reprodução)
Fábio Maldonado fez um estrago no boxe nacional antes de entrar no mundo do MMA, ele está invicto até com mais de vinte vitórias.
Quando finalmente migrou para o MMA, Maldonado se destacou bastante no Brasil e coseguiu um cartel profissional invejável de dezessete vitórias e apenas uma derrota. As vitórias mais notáveis que teve no MMA nacional foram em cima de Ildemar Marajó, Maiquel Falcão (2x) e Vitor Miranda (2x).
Em 2010 ele foi contratado pelo UFC e fez sua estreia na organização, batendo James McSweeney por nocaute no terceiro round. A festa durou pouco e logo Maldonado foi nadar com tubarões e se deu muito mal. Ele perdeu três lutas consecutivas, para Kyle Kingsbury, Igor Pokrajac e Glover Teixeira, na maior surra que levou na vida.
Ele se recuperou com três vitórias consecutivas e voltou a ficar positivo no UFC (4-3), batendo Roger Hollett, Joey Beltran e Gian Villante.
Em 2014, Junior dos Santos era esperado para enfrentar Stipe Miocic em São Paulo, mas o brasileiro se lesionou e teve de se retirar do combate. Sobrou para Maldonado subir de categoria e enfrentar um dos melhores do mundo com poucos dias de preparação. O resultado foi o pior possível para ele. Stipe Miocic, atual campeão peso pesado do Ultimate, nocauteou o brasileiro em pouco mais de trinta segundo de luta.
Ele voltou a vencer com uma grande reviravolta contra Hans Stringer, nocauteando no segundo round em pleno Ginásio do Maracanãzinho. Ranqueado entre os quinze melhores do mundo na divisão, Maldonado voltou a nadar com tubarões e foi atropelado em ambas as lutas. Foi dominado por Rampage Jackson e por Corey Anderson, o que resultou em sua demissão.
Fábio fez algumas lutas no boxe depois da demissão do UFC e venceu todas. Era esperado para lutar em alguns eventos nacionais, como 1º Round Combate e XFC, mas teve de cancelar para enfrentar o maior peso pesado de todos os tempos.
Análise Técnica
Fedor Emelianenko tem um estilo único de trabalhar a trocação.
Fedor costuma lutar bem na média distância, com espaço suficiente para recuar para a longa (apesar de responder no pocket varias vezes) e avançar para a curta distância.
Análises – Fedor Emelianenko (Foto: Kaue Macedo)
1) Fedor e Cro Cop estavam na média distância (A). O croata saia pela sua esquerda (B), enquanto Fedor “imitava” seu trabalho de pernas (C).
2) Fedor encurta a distância (A), posiciona as pernas e entra com um cruzado de esquerda (C), se movimentando para a frente (D), enquanto Mirko teta recuar para trás (E).
3) Em outra ocasião, em que novamente estavam na média distância (A), Mirko ia saindo pela esquerda (B) e Fedor encurralando-o (C).
4) O croata encurta (A) e entra com uma combinação de golpes (B), enquanto avança para a frente (C) e Fedor vai recuando depressa (D).
Ele usa bastante o footwork espelhado, simulando e repetindo a mesma movimentação do adversário, conseguindo, assim, encurrala-lo contra a grade ou contra as cordas e controlar o centro do octógono ou do ring. Você pode reparar isso na print a cima.
Fedor treinou um tempo com o lendário kickoboxer Ernesto Hoost, multi campeão de GP’s do K-1. O russo aprendeu a relevância de um low kick e aplicava essa técnica cada vez com mais perfeição.
Fedor Emelianenko – Low kicks(Foto: Reprodução)
Uma de suas técnicas principais são os cruzados. Fedor os usa de forma muito agressiva e potente, encurtando a distância e explodindo com combinações longas e letais, variando bastante entre corpo e cabeça. O grande problema é que ele acaba se abrindo com esses golpes e seu sistema defensivo fica em cheque, mas ele raramente ficava em águas profundas por causa disso, já que pouquíssimos seres humanos seriam capazes de aguentar a potência daquelas pedradas.
Fedor Emelianenko – Hooks (Foto: Reprodução)
Fedor Emelianenko também tem (ou tinha!?) um sistema de contragolpes muito eficiente. Quando o oponente parte pra cima dele, ele responde a altura com diretos, uppercuts e cruzados numa velocidade e potencia absurda.
Seus jabs são muito mais fortes que o comum da elite do peso pesado. Fedor tem uma técnica muito boa que o faz jogar todo o peso de seu corpo junto do jab. Veja melhor na gif a seguir (ou reassista algumas de suas lutas).
Fedor Emelianenko – Jab (Foto: Reprodução)
O grappling de Fedor Emelianenko é sensacional. Ele faz uma combinação de sambô, jiu-jitsu e judô que é muito bem aplicada ao MMA. Muitas de suas quedas vêm do clinch, cinturando e colocando para baixo, com quedas oriundas do wrestling ou judô (e até mesma da modalidade russa em que é especialista). Ele também defende quedas bem, com seu equilíbrio e balanço perfeito, ou com sua reversões com quedas do judô.
Fedor Emelianenko – Judo Chop (Foto: Reprodução)
O controle posicional por cima é muito eficiente e ele mostrou isso contra lutadores fenomenais como Mirko Cro Cop e Minotauro Nogueira. Esse controle é somado com um ground and pound muito violento e volumoso, que pode acabar com a raça de qualquer lutador.
Fedor Emelianenko x Minotauro Nogueira (Foto: Reprodução)
O arsenal de finalizações é vasto, tanto por cima quanto por baixo. É comum vermos ele aplicando chaves de braço (novamente, tanto por cima quanto por baixo) e estrangulamentos.
Fedor Emelianenko – Armbar (Foto: Reprodução)
Eu considerei Fedor Emelianenko como o homem mais sinistro do planeta durante muitos anos. Ele era a frente de seu tempo, tanto técnica quanto taticamente. E foi um dos primeiros ídolos que tive nesse esporte. Ele era um dos pouquíssimos pesos pesados que era muito bom em todas as áreas (coisa que só ficou comum nos pesados hoje em dia). Sua trocação era perigosíssima, tanto é que deu um calor no Cro Cop, um striker de altíssimo nível. Sua luta agarrada também era muito afiada e ele mostrou isso contra gente gabaritada como Minotauro, Mark Coleman e Naoya Ogawa. Isso sem contar que ele teve uma década de invencibilidade competindo em alto nível na categoria mais difícil de manter como rei. Nós vimos Randy Couture, Brock Lesnar, Junior Cigano, Frank Mir, Cain Velasquez e muitos outros como grandes campeões e ótimos atletas, mas nenhum chegou aos pés do que foi o último imperador. Ele foi simplesmente fenomenal.
Fábio Maldonado é um bom boxeador para o nível de trocação do vemos no MMA (que é predominantemente inferior ao que vemos no boxe profissional e no kickboxing). Ele tem boas combinações, não é de desperdiçar golpes e tem uma boa precisão.
Esse nível de boxe é aceitável para o nível dos meio pesados do UFC, mas se destaca bem mais fora dele. Em organizações como o Fight Nights, que tem muita gente respeitável, da para o brasileiro se destacar.
Outro aspecto em que se destaca é na capacidade de absorção de golpes. Maldonado aguentou uma blitz assustadora de Glover Teixeira e só saiu da luta por causa do médico.
A defesa de quedas é ruim, não tem como negar. Assim como tudo que engloba a luta agarrada. Quando Fábio Maldonado cai de costas para o chão, ele depende praticamente de sua resistência desumana.
Análise Tática
A estratégia para Fábio Maldonado é simples, mas difícil de ser executada. Os passos são:
1) Lutar na média distância, fazer a manutenção da mesma e trabalhar bastante os socos na linha de cintura. Quando houver espaço, atacar na cabeça e sair logo do raio de ação do russo.
2) Evitar o clinch é primordial. Por isso, precisa fazer o que citei anteriormente: manutenção de distância, além de bastante trabalho de pernas.
3) Dosar o gás. São três rounds de luta, ele precisa estar apto para lutar os três se quiser vencer.
Fedor Emelianenko tem um leque maior de possibilidades, mas se resume em:
1) A principal é buscar a queda e colocar a luta para baixo, onde deve trabalhar o controle posicional e o ground and pound bruto, além de buscar brechas para finalizar.
2) Em pé, deve evitar ficar parado na frente do brasileiro. Tem de usar o footwork e, quando Fábio entrar em seu raio de ação, mostrar porque seus cruzados eram tão temidos.
3) O clinch também pode ser uma ótima escapatória da trocação. Fedor tem de encurtar e cinturar, para ficar na grade (ou nas cordas) trabalhando as joelhadas e até se arriscar no dirty boxing, mas sempre de olho em brechas para colocar para baixo.
Conclusão
Que os deuses das artes marciais abençoem Fábio Maldonado. O cara vai até a Rússia enfrentar o maior peso pesado que já existiu. A menos que esteja despreparado física, técnica e psicologicamente, Fedor Emelianenko é franco favorito.
Não acho que a luta será tão fácil para o russo como foi contra Jaideep Singh, mas Emelianenko deve seguir a risca sua estratégia e dominar o combate. Pontuando, principalmente, na luta agarrada, seja no clinch ou no solo.
Palpite Final: Fedor Emelianenko por decisão unanime (30-27).
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