Prévia: Análise Técnica e Tática de Cyborg vs. Kunitskaya

Kaue Macedo analisa Cyborg vs. Kunitskaya

Muito se fala de Ronda Rousey, a maior campeã da história do UFC, mas a maior lutadora da história do esporte se chama Cristiane Justino, a Cris Cyborg, atual campeã peso pena do UFC e ex-campeã (sem nunca ter perdido o cinturão) do Invicta e Strikeforce.



 Com estilo agressivo e um poder de nocaute extremamente elevado, Cyborg venceu as últimas 21 lutas que fez, venceu todas as 10 vezes que disputou um cinturão e nocauteou 17 de suas adversárias (uma dessas lutas, um nocaute em 16 segundos sobre Hiroko Yamanaka, terminou em NC por doping da brasileira), um assustador percentual de 80% de vitórias por nocaute.

 Em 2009, Cyborg se tornou campeã do Strikeforce ao nocautear Gina Carano e defendeu o cinturão duas vezes, ao nocautear Marlos Coenen e Jan Finney (além de uma terceira, o caso de doping contra Yamanaka).

Em 2013, nocauteou Marlos Coenen pela segunda vez e ganhou o cinturão do Invicta FC, defendido com sucesso contra Charminie Tweet, Faith Van Duin e Daria Ibragimova, todas por nocaute.

 Em 2016, fez duas lutas no UFC em peso casado e nocauteou Leslie Smith e Lina Lansberg. Um ano depois, conquistou o cinturão peso pena do UFC ao nocautear Tonya Evinger, ex-campeã peso galo do Invicta, e defendeu contra Holly Holm, ex-campeã peso galo do UFC, ex-campeã mundial de kickboxing e 18 vezes campeã mundial de boxe, num show de trocação de cinco rounds que terminou em vitória por decisão unânime da brasileira.

 Em 3 de março de 2018, haverá mais uma oportunidade de assistir essa máquina de nocautes em ação ao vivo. A adversária será a promissora russa Yana Kunitskaya, de 28 anos, ex-campeã peso galo do Invicta FC e multi campeã de muay thai e taekwondo.

 

 Cyborg é o melhor exemplo que já vimos no MMA feminino de uma “pressure fighter”, o tipo de lutador que sempre tenta controlar o centro do octógono, se movimentando com o trabalho de pernas de forma linear, e não circular ou lateral, deixando o adversário com as costas perto da grade, limitando seu espaço no octógono, e trabalhando os golpes de forma mais agressiva, tomando a iniciativa ao invés de esperar para contragolpear. Esse estilo se assemelha ao de “brawler” ou “slugger”, do boxe, mas com as devidas adaptações ao MMA.

 A parte mais importante do arsenal ofensivo de Cyborg é o boxe. Ela trabalha com uma grande variedade de golpes, mas esses ataques podem ser facilmente categorizados por distâncias dependendo da área do octógono que a luta está acontecendo.

 

 Perto do centro do octógono, os golpes longos e retos, como jabs e diretos, são trabalhados com maior frequência da média para a longa distância, enquanto golpes de outros ângulos, como cruzados, uppercuts e overhands, são mais comuns da média para a curta distância.

 Se aproximando mais dos limites da área total do cage, a grade, a variação de golpes aumenta e a de distância diminui. É muito mais comum que Cyborg lute da média para a curta distância do que da média para longa.

 Da média para a curta distância perto da grade, num momento normal de luta, a variação de golpes se estende para todos os tipos, tanto longos e retos quanto de ângulos diferentes, mais curvados. Nas duas últimas lutas, Cris tem mostrado paciência e inteligência nos golpes, escolhendo melhor o que fazer e se preocupando mais em bater certo do que bater forte, o que fez com que as lutas durassem mais, mas que a vitória fosse ainda mais garantida.

 Quando sente o cheiro de sangue, o momento em que a adversária está atordoada, Cyborg dispara num ritmo frenético, sem escolher muitos os golpes, apenas se preocupando em conectar cada vez mais golpes o mais potente possíveis.

 Dois dados interessantes são que Cyborg tem 56,7% de precisão nos golpes e 73,3% de defesa na trocação.

 Na luta agarrada, Cyborg tem um wrestling sólido. Sua defesa de quedas é ótima conta com fatores extras interessantes como sua boa postura e grande força física, isso a deixa com um excelente percentual de 94% das quedas defendidas, sendo quedada apenas por Tonya Evinger em sua penúltima luta, na qual poucos se lembram da queda e no que ela resultou (em nada), e muitos se lembram do massacre.

 Ofensivamente, Cyborg tem uma baixa taxa de tentativas de quedas, mas um razoável percentual de sucesso de 57%, bem exemplificado pela linda queda que ela aplicou contra Marlos Coenen em 2013, no Invicta FC 6.

 No chão, Cyborg é boa o suficiente para se comparar com qualquer uma da divisão. Campeã mundial de jiu-jitsu na faixa marrom, Cyborg já mostrou um ótimo controle posicional por cima enquanto aplica o ground and pound e, acredite, apenas não utilizou o jiu-jitsu por falta de necessidade.

 Assim como Anastasia Yankova, Yana Kunitskaya é um ótima striker, oriunda do muay thai e com potencial de se tornar uma estrela com bons resultados. Assim como Yankova, o choque de realidade deve vir e isso não acontecerá, a diferença é que Yankova não precisou perder (ainda mais para Cris Cyborg).

 Falando em volume, a principal arma de Kunitskaya é o boxe, ou melhor, os socos. Ao analisar as primeiras lutas da russa, vemos um estilo agressivo, com alto volume de golpes, mas que parece ter se afastado com o passar do tempo. Vale a pena falar sobre os dois.

 Atuando no Leste Europeu, Yana tinha um volume de golpes alto, no qual trabalhava com uma variação de golpes impressionante e tinha uma decente capacidade de nocautear, mais pelo alto volume do que pela potência dos golpes.

 Quando migrou para os EUA, em 2016, mostrou mudanças estranhas em seu jogo, principalmente em sua última luta, contra Raquel Pa’aluhi. Yana começou a escolher demais os golpes, ser exageradamente cautelosa e perdeu uma essência importantíssima para vencer.

 O estilo agressivo foi trocado por um quase out-boxer, lutando na longa distância e evitando o infighting, a menos que seja para o clinch, principalmente na grade. Apesar disso, os socos perderam importância e um coadjuvante cresceu, os chutes.

 Kunitskaya tem um estilo interessante de chutes. Foi campeã russa de taekwondo em 2007 e campeã russa de muay thai em 2011. Ela trabalha muito bem o chute frontal no corpo, que tem sido bem efetivo para trabalhar a manutenção de distância, mas o arsenal não para por aí. Apesar de menos eficaz e técnica, Yana também aplica chutes altos e, com um frequência relativamente boa, chutes rodados, que não são muito técnicos, mas, incrivelmente, tem funcionado e acertado bem.

 Um detalhe importante é que Kunitskaya treina na Jackson Wink MMA Academy, um dos melhores centros de treinamento do mundo, sob a tutela do gênio da trocação Mike Winkeljohn e um dos maiores nerds do MMA, Greg Jackson, além de ser parceira de treino de Holly Holm.

 O jogo de chão atual de Kunitskaya é uma incógnita. Três de suas lutas já terminaram por finalização, uma vitória e duas derrotas. A última derrota foi no ano passado, para Tonya Evinger, e a penúltima, em 2016, para Zaira Dyshekova no ACB 32.

 Quando estreou nos Estados Unidos e no Invicta FC, já disputando cinturão, Kunitskaya surpreendeu a todos ao finalizar Evinger com uma chave de braço. Yana tinha boas condições de vencer Evinger, mas eram mínimas as possibilidades de ser por finalização.

 Sua defesa de quedas não é das melhores, assim como suas tentativas de queda. Vale ressaltar que, para um stiker, é muito mais comum treinar defesa do que ataque na luta agarrada, então, é possível presumir que suas defesa, que não é muito boa, seja maior que seu ataque.

 

Análise Tática

Cyborg tem dois planos táticos para seguir, sendo que o segundo plano necessita, parcialmente mas necessariamente, do primeiro.

O plano principal é trabalhar apenas na trocação, mantendo a luta da média para a curta distância, se mantendo longe dos chutes, que, dessa distância, podem ser revertidos em quedas, e fazendo a movimentação através do trabalho de pernas de forma linear.

Se movimentado de forma linear e fazendo a manutenção de distância, Cyborg conseguirá, praticamente automaticamente, ter o importantíssimo controle do centro do octógono, que atrapalhará consideravelmente a movimentação da adversária.

Os golpes devem ser focados nos socos e nos chutes baixos. Trabalhar os low kicks para desestabilizar a base e a movimentação de Yana é um grande passo caso a luta se estenda e Cyborg terá mais uma boa vantagem. Os socos devem ser aplicados como na última luta, com cautela e técnica, sem deixar de lado o assombroso poder de nocaute.

A variação para o plano secundário acontece bem aqui, no meio de todos os fatores explicados anteriormente. Quando surgir uma oportunidade, seja através de chutes ou de uma postura falha, Cyborg pode mudar o nível da luta e colocar Kunitskaya nas mais profundas águas que já nadou.

Possivelmente, o avanço de posições de Cyborg seria inevitável, e uma finalização só não aconteceria caso o ground and pound fosse suficiente, o que é bem provável.

Kunitskaya terá a missão esportiva mais difícil de sua vida, vencer a maior lutadora de MMA de todos os tempos em sua estreia no UFC. Sem muita experiência no grande palco e com pouco tempo de preparo, Yana depende da maior zebra da história para vencer.

A russa tem que trabalhar perfeitamente da média para a longa distância, mantendo Cyborg longe com os chutes frontais, variando corpo e cabeça, e aplicando com perfeição golpes longes e retos, em combinações curtas, para entrar, bater uma ou duas vezes, e sair.

O raio de ação pode ser visto também como o inferno por Kunitskaya e é uma área onde ela deve evitar a todo custo, por isso, a manutenção de distância é imprescindível. Além disso, o raio de ação de Cyborg não ficará parado no centro do octógono para ela entrar e sair quando quiser, a brasileira a caçará como uma fera esfomeada e incansável, portanto, um trabalho de pernas circular, rápido e constante é mais do que necessário.

Obviamente, Kunitskaya, assim como Holm, tentará trabalhar constantemente a movimentação circular, trabalhando as penas com passadas laterais, mas a russa é inferior a americana nesse quesito e dificilmente terá sucesso nessa empreitada.

Yana Kunitskaya tem tudo o que Holly Holm tem, mas é inferior em praticamente cada detalhe, principalmente defensivamente, um ponto crucial para se enfrentar a maior pegadora da história do esporte. Portanto, dificilmente a russa apresentará algo além disso.

É possível que Cyborg seja mais cautelosa por dois motivos, saber que Kunitskaya tem um nível de trocação acima de média e, por mais contraditório que possa parecer (mas não é), não conhecer a fundo o jogo dela, como aconteceu em suas duas últimas lutas. Por outro lado, Cyborg têm enfrentado adversárias relativamente desconhecidas há muito tempo e não hesitou contra nenhuma delas, porém, nenhuma delas tinha o background de sua próxima desafiante.

 

Apenas uma striker expos os pontos fracos de Cyborg e foi capaz de vencê-la com dominância, a multi campeã mundial de kickboxing Jorina Baars. Maior, mais rápida e mais técnica, a fenomenal Jorina Baars tem o que falta em Holly Holm e Yana Kunitskaya para vencer a campeã: vantagem física, potência nos golpes e manutenção de distância.

Palpite: Cris Cyborg por nocaute no 2º round.



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Jornalista freelancer. Matérias publicadas em Nocaute na Rede, Correio Paulista, Medium, Shion Magazine, NetFighter e Pitaco Esportivo. contato: [email protected]
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